February 14, 2007

Breve descrição do percurso Engenharte desde 2004

Fui convidado em 2004, a dirigir o grupo de teatro da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Uma tarde, sentados na esplanada do Piolho, o Cândido e a Filipa explicavam-me quais os seus anseios, qual a natureza e o percurso do grupo e espicaçavam-me a vontade de os conduzir a conhecer o teatro.

Tive dificuldades em assumir-me como encenador (e ainda tenho), porque a minha experiência até então era maioritariamente como intérprete de teatro e dança; havia dirigido aulas de teatro, de expressão dramática ou de movimento, já tinha montado um espectáculo de fim de ano com uma escola primária inteira (difícil mas delicioso trabalho) e dava os primeiros passos na pesquisa e criação.

Era um desafio e decidi aceitá-lo.

Em Maio de 2005, conseguíamos chegar a um resultado: a montagem do texto “Buraco Negro” de Gerardjan Rijnders. Tínhamos um grupo de dez pessoas activas, interessadas e perfeitamente envolvidas no processo. Depois de uma fase de formação, em que se conheceram os materiais e se experimentaram as ferramentas, decidimo-nos pela montagem deste texto do autor holandês. Muito polémico na altura. Fizeram-se outras leituras, procuraram-se outros textos mas, a pouco e pouco, o “Buraco Negro” foi ganhando adeptos e a descoberta do sentido oculto das palavras fez com que se apaixonassem por um texto e universo bastante cru, quase sem esperança, e tão incrivelmente adequado aos nossos dias e às nossas vivências. O texto, que tem duas personagens, foi dividido pelos dez actores e recriado pela força dessa distribuição. Três homens pelo T e sete mulheres por L. Logo, a partir daqui, tínhamos uma clara hegemonia feminina o que fez com que se extrapolassem os limites do texto oferecendo-lhe uma leitura mais global, menos agarrado a L ou a T, mais próximo do que seria a situação comum entre homens e mulheres do nosso século – o cliché das relações amorosas, a invenção do dia, a busca do prazer, o combate ao tédio, a utilização dos argumentos mais duros, descabidos e fortes, sem suavização da linguagem.

O grupo entregou-se ao trabalho com uma generosidade que me surpreendeu e me garantiu ser capaz de aguentar os meus próprios medos nesta empresa.

Em 2006, mantendo-me na direcção do Engenharte, quis propor um trabalho diferente, que passasse por um período de formação mais alargado, distribuído por quatro workshops dirigidos por quatro formadores convidados. A minha proposta a esses formadores tinha como objectivo ir mais fundo em temas que tinham vindo a ser abordados no ano anterior mas de uma forma concentrada, com uma apresentação final de contornos indefinidos e livre; em que, cada “aluno/actor”, além da aprendizagem da matéria, estivesse em contacto com outras formas de fazer.

Procurei adequar cada matéria ao actor-monitor que a dirigiria e que a definiria em projecto a apresentar ao grupo. Assim, a Sílvia Silva propus texto e sub-texto, a Andrea Moisés corpo e movimento, a António A. Silva dramaturgia e escrita criativa e a Graça Ochoa a máscara e o palhaço.

Os participantes nesta fase de trabalho foram aqueles dez que faziam parte do período anterior. Não havia tempo nem condições para se abrir o grupo a novas entradas.

Pude assistir a todos os momentos finais de apresentação e somente a esses momentos. O que se fez durante cada workshop foi da inteira responsabilidade de cada um dos monitores.

Os resultados de cada processo foram apresentados a um público restrito, escolhido pelo grupo e registados em vídeo.

Nova Fase 2006-2007

Antes das férias de Verão, decidiu-se que se abririam as portas do Engenharte a todos os interessados. Também se definiu que o processo de trabalho iria ser partilhado por outros dois monitores já conhecidos do grupo: o António e a Andrea.

Em 9 de Outubro de 2006, receberam-se os quase trinta participantes, entre os quais, ainda os antigos resistentes. Até Dezembro, dar-se-ia o momento de formação ou de iniciação, de que fariam parte tanto os já dotados de experiência como os que começavam agora a dar os primeiros passos. Importa dizer que nesta fase estava previsto que pouco a pouco, cada um assumisse a verdadeira vontade de fazer parte de um grupo de teatro e a disponibilidade para isso. Nunca me pareceu boa estratégia fazer audições; sabia que o grupo se definiria por si próprio, partindo da vontade individual para uma consciência de grupo. Teatro é uma actividade colectiva mas necessita de empenho individual.

Em Dezembro, tínhamos chegado ao grupo definitivo de 13 pessoas. E nessa altura estudava-se a viabilidade de se construir um objecto a partir do texto “Arranca Corações” do autor francês Boris Vian.

Em Janeiro de 2007, depois da adaptação do romance para texto dramático, dá-se voltas ao universo e define-se a distribuição de personagens. Nesta fase, deparamo-nos com a época de exames – este é um clube de teatro para engenheiros especiais – e avança-se mais lentamente.

Sabemos todos do empenho necessário para levar a bom porto (leia-se palco) o projecto que temos em mãos. Do quão intenso e saboroso pode ser o processo de descoberta dos universos contidos na peça e em cada personagem. Sabemos que não é uma montagem ortodoxa. Que o Teatro e a Arte não podem ser nunca ortodoxos. Que tudo é experiência, que tudo é experimental… que o que importa é reflectir e saber deixar-nos levar pelo que nos move, pelo que conhecemos e pelo que desconhecemos mas suspeitamos, ou intuímos ou vislumbramos… que sempre erraremos e que é para provar que sabemos e podemos errar que estamos aqui. Que, muitas vezes, fechar os olhos é saber ver. E também que não faz mal abrir os olhos depois. E abrir os braços e o peito e o que tem lá dentro…

Outros Títulos

A Aventura Começou

A Procissão ainda vai no Adro

Nunca digas: Não consigo

Há muitas formas de esfolar o gato

Quando tiveres Medo, Avança

e

Deixa-te de Merdas!

1 comment:

Ana Filipa Portugal said...

Oh Julito…

Lá estás tu com os teus textos intermináveis… Adoro textos intermináveis… histórias intermináveis… no sentido de infinitas, não tanto de eternas, mas eternas também na memória, pelo menos… adiante… Gosto dos teus textos intermináveis e daquilo que eles dizem!

Prometo também postar aqui a minha perspectiva do Engenharte não desde 2004, mas desde 2000… (já sou um fóssil nisto)… assim que mo permitirem o tempo… e a conexão VPN sem a qual me vejo impossibilitada de recorrer a alguns auxiliares de memória!!!

Beijinhos a todos!

Filipa