February 24, 2007

Falhar


“Primeiro o corpo. Não. Primeiro o lugar. Não. Primeiro ambos. Ora um deles. Ora o outro. Até fartar de um deles e tentar o outro. Até fartar também deste e fartar outra vez de um deles. Assim em diante. Dalgum modo em diante. Até fartar de ambos. Vomitar e partir. Para onde nem um nem outro. Até fartar desse lugar. Vomitar e voltar. Outra vez o corpo. Onde nenhum. Outra vez o lugar, onde nenhum. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Melhor outra vez. Ou melhor pior. Falhar pior outra vez. Ainda pior outra vez. Até fartar de vez. Vomitar de vez. Partir de vez. Onde nem um nem outro de vez. De vez e tudo.”

In “Pioravante Marche”, Samuel Beckett.

1 comment:

Anonymous said...

o fracasso é inspirador, de poesia mas sobretd da propria vida, ha qq coisa de energia vital pura a vibrar nele:

FRACASSO

Quanto supus ser vitória é fumo apenas.

Fracasso, linguagem do fundo, pista de outro espaço mais exigente, dificil de entreler é tua letra.

Quando punhas tua marca em minha fronte, nunca pensei na mensagem que trazias, mais preciosa que todos os triunfos.
Teu rosto chamjante perseguiu-me e eu não soube que era para salvar-me.
Para meu bem desterraste-me para lugares reconditos, negaste-me exitos faceis, cortaste-me saidas.
Era a mim que querias defender ao nao me conceder brilho.
De puro amor por mim manjeaste o vazio que tantas noites me vez falar febril a uma ausente.
Para proteger-me deixaste passar outros, fizeste que uma mulher prefira alguém mais ousado, afastaste-me de oficios suicidas.

Vieste sempre dar a cara.

Sim, teu corpo chagado, cuspido, odioso, recebu-me na minha mais pura forma para me entregar à nitidez do deserto.
Por loucura amaldiçoei-te, maltratei-te, blafesmei contra ti.

Tu não existes.
Foste inventado pela soberba delirante.

Quanto te devo!
Levantaste-me a um novo nível limpando-me com uma áspera esponja, lançando-me para o meu verdadeiro campo de batalha, cedendo-me as armas que o triunfo abandona.

Levaste-me pela mão à única água que me reflecte.
Por ti não conheço a angustia de respresentar um papel, manter-me à força num alto, trepar com esforços próprios, discutir por causa de hierarquias, inchar até rebentar.
Fizeste-me humilde, silencioso e rebelde.
Não te canto pelo que és, mas pelo que não me deixaste ser. Por me dares outra vida. Por me teres diminuido.

Ofereceste-me somente nudez.
É verdade que me ensinaste com dureza e tu mesmo trazias o cautério!, mas também me deste a alagria de não te recear.
Obrigado por me tirares espessura em troca de uma letra grande.

Obrigado a ti, que me privaste de vaidades.
Obrigado pela riqueza a que me obrigaste.
Obrigado por me construir com meu barro a minha morada.
Obrigado por me afastares.
Obrigado.

(Rafael Cadenas)